quinta-feira, 18 de março de 2010

Weight Of The World

Acabei de ver o Fight Club hoje.

Aviso desde já o leitor incauto que vou fazer referência a pelo menos um detalhe importante para a apreciação do filme por isso, se ainda não o tiver visto, faça favor de o ver antes ou de prosseguir por sua própria conta e risco.

O filme é, salvo erro, de 1998 ou 99, não estou, para ser honesto, com paciência para ir à Wikipedia confirmar.

Ora, isso já foi há mais de dez anos. Dez anos é muito tempo. Quando o Fight Club atingiu os cinemas, o sistema operativo da moda era, provavelmente, o Windows 98. Isso foi realmente há muito tempo.

O filme lida com o facto da personagem principal se ter enterrado tão profundamente no seu próprio mundo e de se ter escondido tão cuidadosamente na escuridão da sua própria mente e solidão que acabou por criar um alter-ego tão completo que acaba por tomar posse da sua vida.

E mais.

Esse alter-ego cria um verdadeiro exército de misantropos que ouvem cada uma das suas palavras com uma avidez impressionante.

O que me incomodou no filme é que não me soou a irrealista. De todo.

A verdade é que, se naquela altura o status quo era tal que gerou um filme destes, hoje em dia é infinitamente pior. É mesmo pior. Existem milhares de milhões de pessoas que vivem, por este mundo fora, numa situação de tamanho isolamento e depressão que uma situação destas, num filme destes, não me soa irrealista.

Existem grupos de apoio para pessoas que não conseguem parar de comprar tralha desnecessária nas lojas apesar de já não terem dinheiro. Um professor de escola se suicida por ser vítima de bullying por parte dos alunos. Um jogador de vídeo-jogos morreu desidratado em frente ao computador por não se poder ausentar nem mesmo para beber qualquer coisa.

Quanto mais desenvolvidos os países são e quanto mais agarrados às máquinas e ao tecnológico nós ficamos piores estas situações se tornam.

Quanto mais agarrados ao virtual ficamos mais perdemos a noção do real. Quanto mais sensíveis ficamos em relação aos mundos virtuais que criamos mais dessensibilizados ficamos em relação ao mundo real que não podemos alterar.

Porque o que nós criamos à nossa volta é extraordinariamente parecido com aquilo que a personagem do Edward Norton criou no Fight Club. Nós criamos à nossa volta uma identidade perfeita, que tem todas as qualidades que nós queremos ter e à qual retiramos todos os defeitos que temos mas que não desejamos.

Escolhem-se as nossas fotografias cuidadosamente para que se tenha a aparência que se quer ter, descrevem-se os nossos gostos para que eles pareçam ser aquilo que gostávamos que fossem e, sob a protecção do teclado, diz-se e faz-se tudo aquilo que, fora da luz fosca do ecrã do computador não se tem coragem para dizer e fazer.

E depois, quando se chega cá fora, à luz do dia, num mundo que não podemos controlar, num mundo que não podemos editar, num mundo em que há outras pessoas que não podemos bloquear nem negar, o peso do mundo abate-se sobre toda a gente.

E claro, há pessoas que não aguentam.

Não sei os valores ao certo das taxas de suicídio, mas estou disposto a apostar que são mais altas na Suécia do que na Nigéria.

Tyler Durden: Man, I see in fight club the strongest and smartest men who've ever lived. I see all this potential, and I see squandering. God damn it, an entire generation pumping gas, waiting tables; slaves with white collars. Advertising has us chasing cars and clothes, working jobs we hate so we can buy shit we don't need. We're the middle children of history, man. No purpose or place. We have no Great War. No Great Depression. Our Great War's a spiritual war... our Great Depression is our lives. We've all been raised on television to believe that one day we'd all be millionaires, and movie gods, and rock stars. But we won't. And we're slowly learning that fact. And we're very, very pissed off.

7 comentários:

  1. O filme é de 1999, não sei como é que ainda não tinhas visto, ele é sem duvidas muito bom e pior que tudo é intemporal.
    Graças ao teu post estou com vontade de o rever pois já lá vão quase 10 anos desde a ultima vez que o vi.

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  2. Gostei do comentário e apesar de ser óbvio aos olhos de muita gente o que tu disseste, é algo que continuamente ignoramos como se SIDA se tratasse: "só acontece aos outros".

    E é engraçado que fales nisto, no contexto do fight club, pois é um tema que me tem ocupado a cabeça recentemente e o fight club é um dos meus filmes preferidos. Eu acho algo preocupante que aconteça o que está a acontecer agora, por exemplo, estão duas pessoas, NA VIDA REAL, a chamarem-me e a fazerem-me perguntas às quais eu respondo: "just a moment". E continuo a moldar esta personalidade virtual, este avatar ou alter-ego.

    Mas ainda bem que o entendeste da mesma maneira que eu, pois há algumas pessoas que acabam de ver o filme e começam a organizar clubes de luta e a usar casacos de cabedal vermelho, ou seja, caiem na armadilha que os "misantropos" cairam.

    Beijo

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  3. O pior é mesmo isso, é que mesmo aqueles que se apercebem deste género de situações, como tu e eu, acabam ou por fazer isso ou por vir postar as suas opiniões num blog na net...

    A verdade é que isto tem muito que se lhe diga e já está bastante fortemente enraízado na nossa memória colectiva.

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  4. Não vou para já fazer um comentário ao comentário.

    Vou apenas questionar... Porque é que recorres sempre ao exemplo do suicídio?

    Vou oferecer-te "o suicídio" do Émile Durkheim! xD
    É que, tal como tu, também ele via o suicídio em tudo e procurava em tudo o suicídio.

    O estudo dele por acaso é muito interessante e não é por acaso que o homem se tornou o pai de uma nova ciência. ^^
    Aliás, ele aborda precisamente as diferenças em termos de variáveis como religião, estado civil, ... e relaciona isso com o suicídio e o modo como esta varia de modo directo ou inverso. Irias achar interesante. (ou então não) :P ***

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  5. Não, provavelmente não iria achar interessante :p

    Xolly.

    Eu recorro ao exemplo do suicídio porque é uma das consequências do tipo de psicose que esta nova era da informação está a criar nas pessoas.

    Só nestes últimos meses já se suicidaram alunos e professores por causa do bullying e ciber-bullying.

    Se não fosse pelos assuntos de que falo neste post duvido seriamente que isso alguma vez acontecesse.

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  6. Mais uma vez concordo em absoluto, sinceramente nunca tinha pensado muito nisso, sempre foi um dado adquirido na minha mente a que nunca dei importância

    Estou-me um bocado a marimbar para quem se suicida porque sinceramente acho que se alguem se suicidou então n faz aqui falta nenhuma (ok, não é totalmente verdade, se o senhor Howard não se tivesse suicidado tinhamos mais historias do Conan....Fora este motivo egoista não podia ser mais indiferente...) apenas os fracos cometem tal acto, o caminho mais fácil é desistir... mas também já sabes que sou um boado drástico

    agora perdi-me no raciocinio e ja não sei onde queria chegar... é o que dá estar a fazer mil coisas ao mesmo tempo, he, volto a isto mais tarde se tiver cabeça... mais uma vez força com o blog que estou a gostar de ler

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  7. Se reparares o suicídio é apenas um "ponto final" do que escrevi, o post não é sobre suicídio.

    Nem o post nem o filme já agora.

    Vê se voltas cá então que agora fiquei curioso.

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