segunda-feira, 22 de março de 2010

春の雪, Haru no Yuki by 三島 由紀夫, Mishima Yukio

Haru no Yuki ou, como está traduzido em Inglês, na versão que li, Spring Snow, ou ainda em português, Neve de Primavera, é o primeiro volume da mítica Tetralogia do Mar da Fertilidade do autor japonês Yukio Mishima, pseudónimo de Kimitake Hiraoka.

Acabei de ler há uns dias o primeiro volume, já comecei avidamente o segundo, mas não me conseguia decidir na abordagem a tomar aqui no blog sobre esta obra de tão multifacetada que ela é.

Decidi esperar, pensar sobre o livro e sobre as mensagens, sobre os infinitos simbolismos que saltitam suavemente à frente dos olhos do leitor enquanto a história se vai espraiando à nossa frente aos bocadinhos.

Hoje acho que finalmente interiorizei a Neve de Inverno e acho que estou pronto para deixar alguns pensamentos sobre o livro.

Atenção que se este livro não chegou ao "mainstream" português foi por um motivo. Este livro não é para toda a gente. É passado numa sociedade japonesa pré primeira guerra (e naturalmente segunda) que é representada como uma sociedade em princípios de ocidentalização mas ainda muito afastada disso e ainda muito apegada a algumas tradições.

Esse é, para mim, um dos maiores atractivos do livro e um dos motivos que mais me levou a interessar-me por ele. A oportunidade de dar uma espreitadela num livro de um autor que, para além de ser japonês, era um nacionalista e um férreo defensor dos valores e costumes do Japão tradicional. A um ponto que o meu professor de japonês, na aula de apresentação comentou inclusivamente:

Às vezes as pessoas estão a ler Mishima e pensam "aqui está o Japão". E não... O que ali está é Mishima.

Assim, compreende-se porque é que esta obra não está tão difundida por cá como Tolstoi ou outros autores do mesmo género que partilham algumas semelhanças com este autor.

Mas a história tem muito muito mais do que uma mera "espreitadela" para dentro do Japão pré segunda guerra, a história é brilhante e vale por si.

O olhar crítico e irónico de Mishima para com algumas das atitudes de todos os escalões sociais japoneses da altura, desde o mais plebeu dos plebeus até ao mais importante elemento da família imperial, toda a gente é explorada e criticada.

No fundo, cada uma das personagens é identificada com uma posição na escada social do Japão da altura ou com uma "posição" perante a vida e perante a sociedade.

Temos um novo rico que tem muito dinheiro mas não tem posição social e que manda o seu filho viver com um verdadeiro nobre que, por sua vez, tem posição social mas lhe faltam os fundos e recorre imenso aos favores do primeiro. Temos um espartano servente, completamente agarrado aos ideais japoneses de honra e ética e acaba por ser algo ridicularizado pelo seu fervor excessivo, temos um jovem ocidentalizado completamente obcecado com os estudos e com a sua incursão pelo conhecimento do ocidente e temos, entre muitas outras personagens, Kiyoaki.

Kiyoaki, a personagem principal é uma personagem que representa todo o estado de espírito de uma nação perante todas as mudanças que se operavam pelo mundo fora. Kiyo nunca sabe o que quer, nunca sabe onde está e nunca sabe qual é a sua função na vida.

Ele vai de leviandade em leviandade, nunca querendo nada verdadeiramente, inclusivamente nunca se interessando pela sua amiga de infância Satoko até se aperceber que ela está prometida a um príncipe da casa imperial.

Aí ele cai em si e apercebe-se que tem que ter Satoko. Enquanto Iinuma, o nacionalista fervoroso de que falei é afastado à força do lado de Kiyoaki, que mantém como amigo e confidente Honda, o mais ocidentalizado de todos e Satoko, sempre ajudada pela traiçoeira idosa Tadeshina se vão encontrando às escondidas e vão começando a preparar o terreno para todos os desastres que eventualmente iriam acontecer.

Não vou desvendar o fim da história, afinal espero que ao menos alguns dos que leiam isto acabem por ler o livro mas digo desde já que encontro aqui alguns paralelos entre a história do livro e o que viria a acontecer ao Japão nos anos seguintes.

Vejo uma sociedade japonesa muito segura da sua beleza e pureza e completamente indecisa quanto ao que quer, vejo uma frente nacionalista completamente apegada aos valores e aos costumes tradicionais a ser afastada e cada vez mais ignorada, vejo o ocidente sempre a acompanhar, a ajudar e a aconselhar o Japão e vejo tudo isto a resultar num dos períodos mais conturbados da história recente do Japão.

Não sei se isto não passa da minha imaginação e da minha constante procura pelo simbolismo na literatura, mas tendo em conta que conheço os ideais políticos de Mishima e que não tenho qualquer dúvida que ele se identifica com Iinuma, acredito que não estarei muito longe da verdade.

Seja como for recomendo vivissimamente a leitura deste clássico a qualquer pessoa que goste do Japão, que goste de Eça de Queiroz, que goste de Tolstoi ou que goste, simplesmente, de uma bela história, escrita por uma das vozes mais belas e mais suaves que já tive o prazer de experienciar. Porque ler Mishima é fácil, a forma como a prosa dele desliza com facilidade, com uma complexidade que, em vez de parecer ostensiva parece bela é qualquer coisa de espantoso.

Li um crítico qualquer que disse que esta obra tinha "toda a beleza de um jardim japonês".

Concordo em absoluto.

Este vai para a minha prateleira dos livros especiais e, ou muito me engano, ou os que se seguem vão se juntar a ele rapidamente.


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