terça-feira, 20 de abril de 2010

Chapter Four

Acho que isso é pordemais óbvio mas a verdade é que muitas das coisas que me deixam a pensar, a pensar ao ponto de ter vontade de escrever aqui são obras de arte, ou de cultura popular.

Filmes, livros, música... Normalmente nada do que aparece na nossa cabeça aparece por lá sozinho por geração espontânea, existe alguma coisa que espoleta o pensamento e a reflexão. E por isso não quero dizer que sejamos ou que eu seja influenciado por tudo o que vejo. Para que alguma coisa me deixe realmente pensativo tem que me chamar a atenção de uma forma muito especial. Não precisa de ser uma obra de qualidade extraordinária, não precisa de demorar muito tempo, não precisa, essencialmente de ter qualquer qualidade para além da esotérica que estou a descrever.

A verdade é que isso me acontece muito mais frequentemente com música do que com outra coisa qualquer. A verdade é que a música é muito mais especial para mim do que outras formas de arte. A literatura também, claro, arrebita a sua cabeça de vez em quando e exige a minha atenção, mas a verdade é que a música é especial e há de ser sempre especial. Ouço música quando estudo, ouço música quando leio, ouço música quando conduzo, caminho, cozinho e até quando não estou a ouvir música.

Sim sim, é verdade. Até quando não estou a ouvir música é frequente tê-la na cabeça a esvoaçar e a andar aos encontrões com as coisas.

A Diana chega a ficar chateada comigo porque quando se ouve uma música que me seja particularmente afecta eu desligo completamente e deixo, inclusivamente, de ouvir o que as pessoas me estão a dizer.

A música e os músicos que realmente aprecio é algo de verdadeiramente especial para mim e a ligação que eu tenho com obras e pessoas que não conheço de lado nenhum é real e nem sequer para mim faz sentido. Quando vejo o "Imagine", documentário sobre o John Lennon, a verdade é que fico triste no fim.

Fico triste porque um inglês que eu nunca conheci morreu há muitos mais anos do que aqueles de que me lembro, mas a verdade é que fico porque a obra que ele deixou para trás realmente marcou a minha vida, o meu ser e a minha forma de estar no mundo.

Mudou para bem, para mal? Não sei. Mudei de acordo com as ideias dele ou ao contrário das ideias dele? Algumas a favor outras contra, mas raramente ele me ficou indiferente.

E isso não se limita ao John Lennon, isso é válido para dezenas de músicos por esse mundo fora, desde o James Hetfield ao Jon Bon Jovi, desde o Max Cavalera ao Randy Blythe, desde o Sting ao Björn Strid, desde o Stevie Wonder ao M Shadows, desde o George Benson ao B.B. King, a verdade é que todos eles mudaram um bocadinho a minha forma de estar e a minha forma de encarar o mundo com as suas coisas boas e más.

Para mim a música é uma forma que eu tenho de exteriorizar o que me vai na alma e pôr cá fora um bocadinho de mim. Enquanto espero pelo dia, ou pela forma que me há de permitir largar a minha própria música pelo mundo fora para que mais pessoas possam, talvez, se eu conseguir ser artista para isso, partilhar um bocadinho do meu próprio ser e estar, a verdade é que a música dos outros é a forma mais fácil e, para mim, mais natural, de deitar cá para fora o que estou a sentir.

A verdade é que sinto com muito mais intensidade o que quer que seja que se está a passar comigo ao som da banda sonora que escolho. Existem temas específicos, ou álbuns específicos, ou até géneros específicos de música que eu sinto que encaixam comigo em fases específicas do que quer que seja que estou a viver.

Quer seja por me lembrarem de momentos que recordo imediatamente ao ouvir os primeiros acordes de uma canção ou por simplesmente avivarem e se identificarem com o sentimento que tenho em qualquer altura.

Apercebo-me enquanto escrevo este post de como é diabolicamente difícil explicar algo que, para mim, é tão claro e vívido como o monitor deste ecran à frente do meu nariz.

Existem músicas que me lembram de pessoas, existem músicas que me lembram objectos, alturas, dias, fases inteiras da minha vida e, muito especialmente, o que vivi e senti em cada um desses momentos.

Músicas capazes de me transportar para momentos especiais, músicas capazes de me fazer revivê-los, músicas capazes de mudar completamente o meu estado de espírito de feliz para enervado, de triste para alegre, de normal para insensível... Existem músicas para quase quase quase tudo.

Existem músicas para tudo uma altura como aquela em que estou agora.

Não sei o que hei de ouvir.

Quero ouvir música mas não encontro nada que se adeque ao que pretendo.

Nada.

E o facto de não conseguir encontrar uma música que ilustre a falta de seja o que for que agora me falta só serve para agudizar essa mesma carência.

E, quando isso acontece, o que posso eu fazer?

Acho que fazer um post no blog ouvindo o que mais adequado me parece.

segunda-feira, 22 de março de 2010

春の雪, Haru no Yuki by 三島 由紀夫, Mishima Yukio

Haru no Yuki ou, como está traduzido em Inglês, na versão que li, Spring Snow, ou ainda em português, Neve de Primavera, é o primeiro volume da mítica Tetralogia do Mar da Fertilidade do autor japonês Yukio Mishima, pseudónimo de Kimitake Hiraoka.

Acabei de ler há uns dias o primeiro volume, já comecei avidamente o segundo, mas não me conseguia decidir na abordagem a tomar aqui no blog sobre esta obra de tão multifacetada que ela é.

Decidi esperar, pensar sobre o livro e sobre as mensagens, sobre os infinitos simbolismos que saltitam suavemente à frente dos olhos do leitor enquanto a história se vai espraiando à nossa frente aos bocadinhos.

Hoje acho que finalmente interiorizei a Neve de Inverno e acho que estou pronto para deixar alguns pensamentos sobre o livro.

Atenção que se este livro não chegou ao "mainstream" português foi por um motivo. Este livro não é para toda a gente. É passado numa sociedade japonesa pré primeira guerra (e naturalmente segunda) que é representada como uma sociedade em princípios de ocidentalização mas ainda muito afastada disso e ainda muito apegada a algumas tradições.

Esse é, para mim, um dos maiores atractivos do livro e um dos motivos que mais me levou a interessar-me por ele. A oportunidade de dar uma espreitadela num livro de um autor que, para além de ser japonês, era um nacionalista e um férreo defensor dos valores e costumes do Japão tradicional. A um ponto que o meu professor de japonês, na aula de apresentação comentou inclusivamente:

Às vezes as pessoas estão a ler Mishima e pensam "aqui está o Japão". E não... O que ali está é Mishima.

Assim, compreende-se porque é que esta obra não está tão difundida por cá como Tolstoi ou outros autores do mesmo género que partilham algumas semelhanças com este autor.

Mas a história tem muito muito mais do que uma mera "espreitadela" para dentro do Japão pré segunda guerra, a história é brilhante e vale por si.

O olhar crítico e irónico de Mishima para com algumas das atitudes de todos os escalões sociais japoneses da altura, desde o mais plebeu dos plebeus até ao mais importante elemento da família imperial, toda a gente é explorada e criticada.

No fundo, cada uma das personagens é identificada com uma posição na escada social do Japão da altura ou com uma "posição" perante a vida e perante a sociedade.

Temos um novo rico que tem muito dinheiro mas não tem posição social e que manda o seu filho viver com um verdadeiro nobre que, por sua vez, tem posição social mas lhe faltam os fundos e recorre imenso aos favores do primeiro. Temos um espartano servente, completamente agarrado aos ideais japoneses de honra e ética e acaba por ser algo ridicularizado pelo seu fervor excessivo, temos um jovem ocidentalizado completamente obcecado com os estudos e com a sua incursão pelo conhecimento do ocidente e temos, entre muitas outras personagens, Kiyoaki.

Kiyoaki, a personagem principal é uma personagem que representa todo o estado de espírito de uma nação perante todas as mudanças que se operavam pelo mundo fora. Kiyo nunca sabe o que quer, nunca sabe onde está e nunca sabe qual é a sua função na vida.

Ele vai de leviandade em leviandade, nunca querendo nada verdadeiramente, inclusivamente nunca se interessando pela sua amiga de infância Satoko até se aperceber que ela está prometida a um príncipe da casa imperial.

Aí ele cai em si e apercebe-se que tem que ter Satoko. Enquanto Iinuma, o nacionalista fervoroso de que falei é afastado à força do lado de Kiyoaki, que mantém como amigo e confidente Honda, o mais ocidentalizado de todos e Satoko, sempre ajudada pela traiçoeira idosa Tadeshina se vão encontrando às escondidas e vão começando a preparar o terreno para todos os desastres que eventualmente iriam acontecer.

Não vou desvendar o fim da história, afinal espero que ao menos alguns dos que leiam isto acabem por ler o livro mas digo desde já que encontro aqui alguns paralelos entre a história do livro e o que viria a acontecer ao Japão nos anos seguintes.

Vejo uma sociedade japonesa muito segura da sua beleza e pureza e completamente indecisa quanto ao que quer, vejo uma frente nacionalista completamente apegada aos valores e aos costumes tradicionais a ser afastada e cada vez mais ignorada, vejo o ocidente sempre a acompanhar, a ajudar e a aconselhar o Japão e vejo tudo isto a resultar num dos períodos mais conturbados da história recente do Japão.

Não sei se isto não passa da minha imaginação e da minha constante procura pelo simbolismo na literatura, mas tendo em conta que conheço os ideais políticos de Mishima e que não tenho qualquer dúvida que ele se identifica com Iinuma, acredito que não estarei muito longe da verdade.

Seja como for recomendo vivissimamente a leitura deste clássico a qualquer pessoa que goste do Japão, que goste de Eça de Queiroz, que goste de Tolstoi ou que goste, simplesmente, de uma bela história, escrita por uma das vozes mais belas e mais suaves que já tive o prazer de experienciar. Porque ler Mishima é fácil, a forma como a prosa dele desliza com facilidade, com uma complexidade que, em vez de parecer ostensiva parece bela é qualquer coisa de espantoso.

Li um crítico qualquer que disse que esta obra tinha "toda a beleza de um jardim japonês".

Concordo em absoluto.

Este vai para a minha prateleira dos livros especiais e, ou muito me engano, ou os que se seguem vão se juntar a ele rapidamente.


quinta-feira, 18 de março de 2010

Weight Of The World

Acabei de ver o Fight Club hoje.

Aviso desde já o leitor incauto que vou fazer referência a pelo menos um detalhe importante para a apreciação do filme por isso, se ainda não o tiver visto, faça favor de o ver antes ou de prosseguir por sua própria conta e risco.

O filme é, salvo erro, de 1998 ou 99, não estou, para ser honesto, com paciência para ir à Wikipedia confirmar.

Ora, isso já foi há mais de dez anos. Dez anos é muito tempo. Quando o Fight Club atingiu os cinemas, o sistema operativo da moda era, provavelmente, o Windows 98. Isso foi realmente há muito tempo.

O filme lida com o facto da personagem principal se ter enterrado tão profundamente no seu próprio mundo e de se ter escondido tão cuidadosamente na escuridão da sua própria mente e solidão que acabou por criar um alter-ego tão completo que acaba por tomar posse da sua vida.

E mais.

Esse alter-ego cria um verdadeiro exército de misantropos que ouvem cada uma das suas palavras com uma avidez impressionante.

O que me incomodou no filme é que não me soou a irrealista. De todo.

A verdade é que, se naquela altura o status quo era tal que gerou um filme destes, hoje em dia é infinitamente pior. É mesmo pior. Existem milhares de milhões de pessoas que vivem, por este mundo fora, numa situação de tamanho isolamento e depressão que uma situação destas, num filme destes, não me soa irrealista.

Existem grupos de apoio para pessoas que não conseguem parar de comprar tralha desnecessária nas lojas apesar de já não terem dinheiro. Um professor de escola se suicida por ser vítima de bullying por parte dos alunos. Um jogador de vídeo-jogos morreu desidratado em frente ao computador por não se poder ausentar nem mesmo para beber qualquer coisa.

Quanto mais desenvolvidos os países são e quanto mais agarrados às máquinas e ao tecnológico nós ficamos piores estas situações se tornam.

Quanto mais agarrados ao virtual ficamos mais perdemos a noção do real. Quanto mais sensíveis ficamos em relação aos mundos virtuais que criamos mais dessensibilizados ficamos em relação ao mundo real que não podemos alterar.

Porque o que nós criamos à nossa volta é extraordinariamente parecido com aquilo que a personagem do Edward Norton criou no Fight Club. Nós criamos à nossa volta uma identidade perfeita, que tem todas as qualidades que nós queremos ter e à qual retiramos todos os defeitos que temos mas que não desejamos.

Escolhem-se as nossas fotografias cuidadosamente para que se tenha a aparência que se quer ter, descrevem-se os nossos gostos para que eles pareçam ser aquilo que gostávamos que fossem e, sob a protecção do teclado, diz-se e faz-se tudo aquilo que, fora da luz fosca do ecrã do computador não se tem coragem para dizer e fazer.

E depois, quando se chega cá fora, à luz do dia, num mundo que não podemos controlar, num mundo que não podemos editar, num mundo em que há outras pessoas que não podemos bloquear nem negar, o peso do mundo abate-se sobre toda a gente.

E claro, há pessoas que não aguentam.

Não sei os valores ao certo das taxas de suicídio, mas estou disposto a apostar que são mais altas na Suécia do que na Nigéria.

Tyler Durden: Man, I see in fight club the strongest and smartest men who've ever lived. I see all this potential, and I see squandering. God damn it, an entire generation pumping gas, waiting tables; slaves with white collars. Advertising has us chasing cars and clothes, working jobs we hate so we can buy shit we don't need. We're the middle children of history, man. No purpose or place. We have no Great War. No Great Depression. Our Great War's a spiritual war... our Great Depression is our lives. We've all been raised on television to believe that one day we'd all be millionaires, and movie gods, and rock stars. But we won't. And we're slowly learning that fact. And we're very, very pissed off.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Online?

De entre as variadíssimas coisas que me incomodam, a destruição lentra, progressiva, mas certa da comunicação real e saudável entre as pessoas é uma das que, ultimamente, me anda a chamar mais a atenção.

Há uns anos atrás, quando começou toda a paranóia do MSN Messenger, eu fui um dos crentes que ficou completamente apaixonado e que passava horas sem fim, ao serão, a falar com pessoas sem fim, sobre temas sem fim. Isto incomodava a minha mãe. Incomodava-a porque, tendo crescido na metrópole que é a Trofa, quando era nova passava o seu tempo com os amigos não sentada numa cadeira, mas na rua a trepar às árvores e a jogar badminton com os vizinhos.

Até há bem pouco tempo isto nunca me incomodou a mim. Sempre achei que era um exagero, que falava com as pessoas normalmente na escola, no básquete, nas aulas de música, aos Sábados ao serão, etc. e que, se passava umas horas a mais no messenger a falar pela internet, isso devia apenas ser encarado como um acrescento e não como um substituto.

E no fundo, apesar de ter perdido o hábito de me ligar ao messenger, continuo a pensar assim, não considero que o que eu fazia fosse um substituto, mas sim um acrescento.

Hoje em dia, no entanto, acho que se está a tornar um substituto. Já ninguém me telefona para me convidar para jantar, quanto mais encontrar-se comigo. Eu recebo convites para eventos no facebook. Convites para eventos que vão acontecer em LONDRES. Eu combino com a minha namorada o jantar de S. Valentim, mas ao mesmo tempo existem restaurantes que me convidam a mim e a ela para o mesmo jantar, novamente pelo facebook.

Aconteceu algo de interessante na vida de alguém? "Tweeta-se". Algo de muito interessante? Actualiza-se o perfil do Facebook. Será que alguém se vai dar ao trabalho de, não sei, revelar uma fotografia, fazer um álbum, guardá-lo e mostrá-lo à família durante uma tarde de Domingo? Com conversa sobre os eventos fotografados no entrementes? Claro que não! Põe-se no Hi5\MySpace\Facebook\Orkut ou outro qualquer de que eu não tenha conhecimento e fazem-se comentários sarcásticos por baixo. É muito mais interessante.

Agora temos ainda o Buzz, a nova ideia brilhante da Google, depois do fracasso óbvio que foi o Google Wave. Uma forma de conseguir misturar na mesma coisa os blogs, o mail, uma espécie de twitter, o próprio twitter e mais uma miríade de aplicaçõezinhas profundamente inúteis.

Como é que as pessoas ainda se surpreendem que cada vez mais existe um sentimento de isolação generalizado no mundo? Como é que as pessoas se surpreendem que é nos países de maior desenvolvimento tecnológico que há maiores taxas de divórcio e suicídio? Como é que as pessoas se surpreendem que já nada neste planeta dura para sempre?

As redes sociais não são a causa, são um sintoma, as redes sociais representam a tendência preocupante que cresce na nossa sociedade de querer tudo mais rápido, mais fácil, estupidamente simples e à distância de um clique.

A nossa sociedade entende, ainda, que para ganhar dinheiro é preciso trabalhar. Pelo menos no seu geral entende. Eu vejo na mesma os alunos a trabalhar para as notas e vejo as pessoas a procurar empregos e a querer trabalhar para melhorar o seu nível de vida.

Mas é só!

A tendência de que eu me apercebo é que tudo o resto tem que ser folia, diversão, passatempo e tem que estar à distância de um clique. Ninguém trabalha nos seus casamentos, quanto mais nas suas relações.

É duro ver isto, eu não me identifico com isto.

Se alguém utilizar diariamente o Buzz, o Twitter, o Facebook, o Hi5, um Blog, o correio electrónico, o MySpace e mais qualquer outra das dezenas de hipóteses que há online, o que é que sobra para falar? E não me refiro a ir ao messenger falar. Para o contacto entre as pessoas, o que sobra?

Se toda a gente me "segue" nestas coisas todas, para quê dar-me ao trabalho de falar directamente?

Eu sei que isto pode parecer hipócrita vindo de uma pessoa de informática que, com um bocado de azar, ainda vai acabar a trabalhar neste género de idiotice, e ainda pode parecer mais hipócrita o facto de estar a escrever isto num blog e não falando directamente com cada uma das meia dúzia de pessoas que vão acabar por ler isto, mas a verdade é que isto não cabia tudo num tweet. Teve que ser assim.

Chego à conclusão que só os pais do Jeremy do Zits é que me compreendem.